terça-feira, 31 de maio de 2011

Se

Se puderes guardar o sangue frio diante
de quem fora de si te acusar, e, no instante
em que duvidem de teu ânimo e firmeza,
tu puderes ter fé na própria fortaleza,
sem desprezar contudo a desconfiança alheia...

Se tu puderes não odiar a quem te odeia,
nem pagar com a calunia a quem te calunia,
sem que tires daí motivos de ufania,
sonhar, sem permitir que o sonho te domine,
pensar, sem que em pensar tua ambição se confine,
e esperar sempre e sempre, infatigavelmente...

Se com o mesmo sereno olhar indiferente
puderes encarar a Derrota e a Vitória,
como embustes que são da fortuna ilusória,
e estóico suportar que intrigas e mentiras
deturpem a palavra honesta que profiras...

Se puderes, ao ver em pedaços destruída
pela sorte maldosa, a obra de tua vida,
tomar de novo, a ferramenta desgastada
e sem queixumes vãos, recomeçar do nada...

e tendo loucamente arriscado e perdido
tudo quanto era teu, num só lance atrevido,
se puderes voltar à faina ingrata e dura,
sem aludir jamais à sinistra aventura...

Se tu puderes coração, músculos, nervos
reduzir da vontade à condição de servos,
que, embora exausto, lhe obedeçam ao comando...

Se, andando a par dos reis e com os grandes lidando,
puderes conservar a naturalidade,
e no meio da turba a personalidade,
impávido afrontar adulações, engodos,
opressões, merecer a confiança de todos,
sem que possa contar, todavia, contigo
incondicionalmente o teu melhor amigo...

Se de cada minuto os sessenta segundos
tu puderes tornar com teu suor fecundos...

a Terra será tua, e os bens que se não somem,
e, o que é melhor, meu filho, então serás um Homem!

Carta ao filho, de Rudyard Kipling
Tradução de Alcantara Machado

segunda-feira, 16 de maio de 2011


"Quando nasci não percebi
Vivendo bastante nos tornamos grandes
Envelhecendo chega o conhecimento
Depois que morremos, um novo nascimento

Quem quiser venha comigo
Vamos embora
Eu sei que dá um medo
Mas essa é a hora
Olhe nos meus olhos
Me dê sua resposta
Abra sua porta
Para o mundo afora."



"Quando ele tem
Ele some
Quando você tem
Ele te consome
Quando você não tem
Ele é esnobe
Nessa cidade de espírito pobre
Ainda há muito desse homem."
-

"Enquanto não estamos mortos
Vamos sobrevivendo
Tudo que há nesse mundo nós queremos
Riqueza vamos jutando
Esse é o maior vício do ser humano
Quem  não está de acordo
Está errado
Ou você tem dinheiro
Ou é um pobre coitado
Coitado de mim
Tentando ser diferente
Sendo obrigado a viver assim."

Desenho e poema por Gabriel Ferraro - um novo amigo meu.

quarta-feira, 11 de maio de 2011



"Dead Man é a história da viagem física e espiritual, de um jovem, num território hostil e selvagem. William Blake (Johnny Depp) viaja para as mais longínquas fronteiras do oeste americano, perdido, gravemente ferido e, perseguido por pistoleiros, encontra um nativo americano chamado "Ninguém", que acredita que Blake seja na realidade o poeta inglês. Belíssimo road movie do oeste, com características existencialistas e ritmo hipnótico, moldurado por paisagens deslumbrantes e atemporal. Dead Man, tornou-se uma obra-prima por re-inventar um gênero, que já tinha sido explorado a exaustão, um western sensível, misterioso e filosófico."

Protesto.







sábado, 7 de maio de 2011

Exirtimos: a que será que se destina?


Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Jards Macalé



Faixas:
01. Farinha do Desprezo
02. Revendo Amigos
03. Mal Secreto
04. 78 Rotações
05. Movimento dos Barcos
06. Meu Amor me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata
07. Let's Play That
08. Farrapo Humano - A Morte
09. Hotel das Estrelas


Jards Macalé, primeiro disco do cantor carioca, é um dos trabalhos mais inusitados da música brasileira. Um disco até hoje duro de ser conceituado - e por isso mesmo genial, e tantas vezes esquecido. Feito após Jards ter passado por experiências diversas como músico, o álbum marcava sua transição para a via pop, revolucionando a música brasileira ao mesclar rock, samba, eruditismo, jazz, bossa-nova, tropicalismo, melancolia e sofrimento em doses cavalares. Gravado às pressas, da forma mais minimalista possível (com Jards no violão, Lanny no violão solo e no baixo e Tutty na bateria), o disco traz uma sonoridade crua, anti-comercial, com letras que chegam a soar punks. O LP abria com "Farinha do desprezo", quase um anti-rock, desconstruído, misturado com samba e jazz (a letra: "só vou comer agora da farinha do desejo/alimentar minha fome para que nunca mais me esqueça/como é forte o gosto da farinha do desprezo").

Uma vinheta com "Vapor barato" a capella - cantada de forma quase fúnebre, fantasmagórica mesmo - antecede o forrock "Revendo amigos", que chegou a ir 12 vezes para a censura, encucada com versos como "se me der na veneta eu morro/se me der na veneta eu mato". Numa época em que Roberto Carlos era rei, Jards só oferecia romantismo em faixas originais como o quase-samba "78 rotações", na voraz "Meu amor me agarra & geme & treme & chora & mata" e na desolação de "Movimento dos barcos". O lado mais característico de Macalé, no entanto, era a faceta melancólica e existencial de faixas como o rock "Mal secreto" ("massacro meu medo, mascaro minha dor, já sei sofrer") e o hino "Let's play that" ("vai, bicho/desafiar o coro dos contentes", dizia a letra de Torquato Neto). Num viés tenso, repleto de improvisos roqueiros ao violão, em que não havia oposição entre tristeza e felicidade, alegria e melancolia ("dessa janela sozinha/olhar a cidade me acalma/estrela vulgar a vagar/rio e também posso chorar", diz a letra de "Hotel das estrelas", que fechava o disco), Jards Macalé também trazia o rock´n roll suicida e ágil de "Farrapo humano" (de Luiz Melodia) - sintomaticamente seguido pelo samba "A morte", de Gilberto Gil.

A ousadia custou caro: Jards Macalé acabou tendo pouca tiragem e logo foi tirado de catálogo. O cantor iniciou uma série de shows, mas continuava com problemas de colocação no mercado. Em 1973, liderou na Philips um misto de show-disco coletivo, O banquete dos mendigos, feito por ele e por vários amigos para comemorar o aniversário de 25 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e, de quebra, ajudar a tirar a conta de Macalé do vermelho: o show foi feito, mas o disco ao vivo acabou sendo completamente censurado e só liberado em 1979 (e já pela RCA).
Texto de Ricardo Schott, publicado no site The Freakium!.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Marconi Notaro - No Sub Reino dos Metazoários



Faixas:
01. Desmantelado
02. Ah Vida Ávida
03. Fidelidade
04. Maracatú
05. Made in PB
06. Antropológica
07. Antropológica ii
08. Sinfonia em Ré
09. Não Tenho Imaginação pra Mudar de Mulher
10. Ode a Satwa


O LP 'No Sub Reino dos Metazoários', de Marconi Notaro, é dos expoentes da cena psicodélica nordestina. Lançado em 1973, enquadra-se na linha de obras como os discos de Lula Côrtes & Lailson - 'Paebirú' e 'Satwa', clássicos da psicodelia nacional.

Ultra-psicodélico em alguns momentos, o disco abre com o samba 'Desmantelado' (composto por Notari em 1968, "nos áureos tempos do Teatro Popular do Nordeste), com o regional formado por Notari, Robertinho de Recife, Zé Ramalho e Lula, entre outros. A segunda faixa, 'Ah Vida Ávida', com 'Notaro jogando água na cacimba de Itamaracá', mais Lula na 'cítara popular' e Zé Ramalho na viola indicam o que vem a seguir, um misto de alucinada psicodelia com pinceladas da mais singela música popular, como o frevinho 'Fidelidade' (... "permaneço fiel às minhas origens, filho de Deus, sobrinho de Satã" ...).

O momento mais radical disco álbum é a quinta faixa, 'Made in PB', parceria de Notaro com Zé Ramalho, um rockaço clássico, destacando a guitarra distorcida de Robertinho de Recife e efeitos de eco. As músicas 'Antropológicas 1' e 'Antropológica 2', como a maioria das outras canções, são improvisos de estúdio, reunindo os músicos já citados, com ótimo resultado sonoro e poético.

Com produção do pessoal do grupo multimídia de Lula Côrtes e sua mulher Kátia Mesel, o disco foi gravado nos estúdio da TV Universitária de Recife e da gravadora Rozenblit, também na capital pernambucana. A capa é um desenho de Lula Côrtes, tão chapado esteticamente quanto o som que o tosco papelão embalava, com uma foto de Marconi Notaro no centro, com o rosto dividido entre a capa frontal e a contracapa.

O álbum, infelizmente, como a maioria do catálogo da Rozenblit permanece inédito, esperando uma cuidada reedição oficial. O LP original é praticamente impossível de ser encontrado, mas uma ótima cópia em CDr já circula no universo de colecionadores. 
Texto de Fernando Rosa, publicado no site Senhor F.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Das Tarântulas

     “Olha: é esta a toca da tarântula! Queres vê-la a ela mesma? Está aqui a sua teia; toca-lhe para a veres tremer.
     Olha: ei-la aqui, sem se fazer rogar. Bem-vinda tarântula! No teu escuro lombo negreja a característica marca triangular, e eu também
sei o que há na tua alma.
     Em tua alma aninha-se a vingança; onde quer que fiques, forma-se uma crosta negra. A vingança levanta na tua alma torvelinhos de
vingança.
     Assim vos falo em parábola a vós que levantais torvelinhos na alma, pregadores da igualdade! Vós outros sois, para mim tarântulas
sedentas de secretas vinganças.
     Eu, porém, acabarei de revelar os vossos esconderijos, por isso me rio na vossa cara com o meu riso das alturas!
     Por isso despedaço a vossa teia, para que a cólera vos faça sair do vosso antro de mentira e para que a vossa vingança apareça por
detrás das vossas palavras de “justiça”.
     Seja o homem salvo da vingança; é esta para mim a ponte da esperança superior, e um arco-íris anuncia grandes tormentas.
     As tarântulas, todavia, compreendem doutra forma. “Justamente quando as tempestades da nossa vingança enchem o mundo, é
quando nós dizemos que haja justiça”. Assim falam elas entre si.
     “Queremos exercer nossa vingança e lançar nossos ultrajes sobre todos os que não são semelhantes a nós outras”. Isso juram a si
mesmas as tarântulas.
     E acrescentam: “Vontade de igualdade, isto será daqui por diante o nome da virtude, e queremos erguer o grito contra tudo o que é
poderoso!”
     Sacerdotes da igualdade: a tirânica loucura da vossa impotência reclama em brados a “igualdade”, por detrás das palavras de virtudes
esconde-se a vossa mais secreta concupiscência de tiranos!
     Vaidade acre, inveja contida — talvez a vaidade e a inveja de nossos pais — de vós saem essas chamas e essas loucuras de vingança.
     O que o pai calou, fala o filho, e muitas vezes vi revelado no filho o segredo do pai.
     Parecem-se com os extáticos; não é, porém, o coração que os extasia, mas a vingança.
     E se tornam frios e sutis, não é por agudeza, mas por inveja.
file:///C|/cursos_e_livros_cd/Triagem/eROCKET%20CONVERTIDO/zara.rb/000000-zara.html (32 of 113)29/09/2004 15:17:21Assim Falava Zaratustra - Frederico Nietzsche
     Também levam os zelos à senda dos pensadores; é este o sinal da sua emulação; sempre vão tão longe, tão longe, que afinal o seu
cansaço tem sempre que adormecer até o meio da neve.
     Todos os seus lamentos têm acentos de vingança; todos os seus elogios ocultam malefícios, e para eles serem juizes é a suprema
felicidade.
     Eis aqui, todavia, o conselho que vos dou, meus amigos: desconfiai de todos os que sentem poderosamente o instinto de castigar!
     São pessoas de má raça e de má casta; por eles assomam o polícia e o verdugo.
     Desconfiai de todos os que falam muito da sua justiça! Não é só mel o que falta às suas almas.
     E se se chamam a si mesmos “os bons e os justos” não esqueçais que, agora, para serem fariseus só lhes falta... o poder.
     Meus amigos, não quero que se me misture e se me confunda.
     Há quem pregue a minha doutrina da vida, mas são a um tempo pregadores da igualdade e tarântulas.
     Estas aranhas venenosas falam a favor da vida, apesar de estarem acaçapadas nas suas cavernas e afastadas da vida: porque assim
querem prejudicar.
     Querem prejudicar os que têm agora o poder; porque entre estes é ainda a coisa mais familiar a prática da morte.
     A ser doutro modo, doutro modo pregariam as tarântulas: porque noutro tempo foram elas precisamente as que melhor souberam
caluniar o mundo e queimar hereges.
     Com estes pregadores da igualdade é que eu não quero ser misturado nem confundido. Porque a justiça me fala assim: “Os homens não
são iguais”.
     Não devem tampouco chegar a sê-lo. Que seria, pois, o meu amor ao Super-homem, se eu falasse doutro modo?
     Por mil pontes e por mil caminhos se devem precipitar para o porvir, e sempre haverá que colocar entre eles mais guerras, e
desigualdades: assim me faz falar o meu grande amor!
     Devem-se tornar inventores de imagens e de fantasmas em suas inimizades, e com as suas imagens e os seus fantasmas devem travar
entre si o maior combate.
     Bom e mau, rico e pobre, alto e baixo, todos os nomes de valores devem ser armas e símbolos bélicos, em sinal de que a vida sempre se
há de superar novamente a si mesma.
     Ela, a própria vida, quer elevar-se às alturas com pilares e grades: quer escrutar os longínquos horizontes e penetrar com os seus
olhares as supremas belezas: para isso necessita as alturas.
     Por conseguinte necessita alturas, necessita degraus e contradição dos degraus e dos que se elevam! A vida quer elevar-se e superar-se
a si mesma.
     E vede, meus amigos! Aqui, onde está a caverna da tarântula, elevam-se as ruínas de um templo antigo: olhai com olhos iluminados.
     O que aqui em outros dias elevou na pedra os seus pensamentos para as alturas, esse deve ter conhecido o segredo da vida toda, como o
mais sábio.
     Haja até na beleza luta e desigualdade e guerra pelo poder e pela supremacia; isto nos ensina ele aqui no símbolo mais luminoso.
     Assim como aqui abóbadas e arcos travam corpo a corpo um divino combate, e assim como luz e sombra pugnam entre si em divina
competência, assim fortes e nobres, sejamos nós também inimigos, meus amigos! Pugnemos divinamente uns contra os outros!
     Desventura! Também me picou a tarântula, minha antiga inimiga! Divinamente firme e bela picou-me no dedo!
     “Há de haver castigo e justiça — pensa a tarântula: — não é em vão que canta aqui o hino em honra da inimizade!”
     Sim; está vingada! Pobre de mim; vai minha alma girar como um turbilhão de vingança!
     Mas, para ela não girar, meus amigos, atai-me fortemente a esta coluna. Antes quero ser um estilista do que um turbilhão de vingança!
     Zaratustra não é um turbilhão nem uma tromba, e se é bailarino, não é bailarino de tarantela!”
     Assim falava Zaratustra.